Texto e fotos por Anna Beatriz Anjos
Como as emissoras de TV mostraram de forma intensiva durante a tarde, havia sim famílias. Pais e crianças, idosos, casais, grupos de amigos. Todos felizes, sorrindo e tirando selfies. Mas o clima se transformava totalmente quando os “agitadores” do ato, de cima dos trios elétricos, gritavam palavras de ordem. “Fora PT” era a mais comum. As pessoas iam à loucura e acompanhavam o grito com todas as suas forças. Nesse momento, o ódio transparecia. Alguns dirão que “é apenas indignação, revolta”. Mas não, era ódio. Porque o que vinha nos momentos seguintes foram ofensas explícitas.
“Militantes petistas têm que ser escorraçados. Temos que fazer uma caça”, disse um integrante do grupo Revoltados Online, que ocupava um grande carro de som estacionado pouco antes do Masp, ponto de concentração do protesto. “Lula é um bandido, um sindicalista, nunca trabalhou”, afirmou outra voz vinda do trio. “Eles vão colocar na rua aqueles bichos, aqueles vagabundos do MST”, declarou mais um Revoltado, referindo-se à resposta que, de acordo com ele, o governo federal daria à mobilização de hoje.
Isso tudo, no entanto, foi suave perto do clássico “Ei, Dilma, vai tomar no cu”, recuperado da partida de abertura do Mundial de Futebol – olha aí, mais uma semelhança com a Copa. Algumas horas antes, o aposentado José Carlos Lopes, de 67 anos, havia dito, ao defender a intervenção militar, que estava na Paulista pois “esses corruptos, de todos os partidos, estão acabando com os valores morais do Brasil”. Ninguém, entretanto, reclamou dos palavrões ditos em voz alta perto de crianças, por exemplo.
Com um milhão de pessoas, segundo a Polícia Militar, e com 210 mil, de acordo com o Instituto Datafolha, o protesto transcorreu de forma pacífica. A violência física não deu as caras. Mas as agressões simbólicas estavam bem ali, visíveis a olhares mais atentos.
Elas se expressaram da forma mais machista possível. “Dilma biscatona véia!!” era o recado que o arquiteto Paulo Perruci, de 25 anos, mandava à presidenta do país, por meio de uma folha sulfite colada em sua camiseta verde e amarela. “[Isso] é para representar a palhaçada”, argumentou o rapaz. Ao tentar justificar o insulto, explicou que era “só uma brincadeira”. A velha e previsível resposta dos opressores.
No caldeirão dos indignados, tinha também pedido de impeachment. Tal desejo estampava faixas, cartazes e camisetas, além da principal bandeira ideológica dos Revoltados Online. Um deles, o leiloeiro Wilson Gandolfo Filho, destacou que Dilma e o PT são apenas “a bola da vez”. “Quando entrar outro, faremos a mesma coisa. Temos que acabar com a corrupção”, considerou.
A fisioterapeuta Daniela Ojiras, de 37 anos, também se diz “completamente a favor” da queda da presidenta. Questionada se conhecia o processo necessário para o imepachment, respondeu sem tanta assertividade. “Mais ou menos, não entendo muito bem a parte legal”, colocou. “Mas entendo que ainda não há nada contra ela para ela sofrer o impeachment, então acho que a pressão é para renunciar.”
Para Ojiras, o grande problema dos governos do PT é a “roubalheira”. “Estou cansada de falar para o meu filho que ele não pode pegar o brinquedo do amiguinho, mas ligar a televisão e todo dia a Petrobras estar sendo roubada um pouco. É difícil criar um filho num país assim”, assinalou.
A corrupção, como já era esperado, foi a tônica do protesto. Absolutamente todas as pessoas ouvidas pela Fórum a citaram, logo de cara, como motivo maior de sua presença na manifestação. Ninguém mencionou, no entanto, qualquer caso relacionado a outros partidos, como o cartel dos trens em São Paulo, estado governado há 20 anos pelo PSDB. Nenhum dos entrevistados tampouco conseguiu explicar com clareza as demais razões de sua insatisfação em relação ao governo Dilma, embora tenham confirmado que elas existem.
Um exemplo é o engenheiro Henrique Vital Dionísio, de 23 anos, que disse ter ido à rua para “reivindicar direitos” e “mostrar que o Brasil acordou e não é mais uma nação adormecida”, além de demonstrar sua indignação com o desvio de recursos públicos. Quando a repórter lhe perguntou quais seriam esses direitos, Dionísio deixou dúvidas. “Os direitos? Todos”, replicou. A reportagem tentou ir mais a fundo. “Direito de pagar menos impostos, não 50% em cima do produto. Direito de uma Constituição feita corretamente, não de forma errônea. De realmente viver num país democrático”, indicou.
Enquanto isso, a menos de um metro, o camelô Joaquim Neto, de 48 anos, morador da Brasilândia, na periferia norte de São Paulo, vendia vuvuzelas e capas de chuva a R$ 5,00. “Eu não sou contra a Dilma, mas estou trabalhando. Está vendendo bem”, contou. “Se não fosse para trabalhar, o senhor estaria aqui?”, questionou a repórter. “Não”, rebateu, com um sorriso disfarçado no canto da boca. “O povo tem direito de se manifestar. Peguei a época da ditadura, sei como é que é. Claro que não [quero que os militares voltem], deus me livre. Na Brasilândia, só ia o esquadrão da morte”, finalizou.